Vatel, o Chef dos Prazeres

Há exatamente 351 anos, o mundo perdia um dos mais lendário e proeminentes chefs de sua história. Conhecido por seu perfeccionismo colossal e uma reputação quase mítica de uma comida e banquetes que despertavam os cinco sentidos, François Vatel é digno de uma reapresentação.


Nascido em 1631 em Paris, no berço de uma família humilde, original de Zurique, o seu nome era Fritz-Karl Watel - o qual foi galicizado (ou seja, passado para o francês) só após a sua morte pela Marquesa de Sévigné. Aos 9 anos já sabia preparar confeites e pratos simples. Com 15 anos se tornou a aprendiz de confeiteiro com Jehan Heverard. Chegou à corte aos 22 anos, admitido como auxiliar do cozinheiro de Nicolas Fouquet, Superintendente do Tesouro da França e homem mais rico nessa época. Tornou-se um célebre cozinheiro e maitre, a quem foi atribuída a invenção do creme de chantilly (embora hoje haja discordâncias deste feito).

Na França de 1600, nada era mais atrativo que os grandes jantares e banquetes, se hoje a fofoca saltou das calçadas e praças para ganhar espaço em conversas fantasmas através do smartphone, era à mesa que a fofoca ganhava força e era compartilhada entre talheres e sabores. Os assuntos à mesa eram dos mais variados, casos de traição, espionagem, estratégias de guerra, confissões clericais, comercio, trafico, piadas "imundas", literatura libertina, politica, filosofia, e claro, a vida alheia. Esse ambiente era propício para uma reputação imergir ou ruim.

Vatel almejava provar a Luís XIV, o Rei-Sol, que era melhor que o mestre da cozinha real. Numa das primeiras tentativas, no dia 17 de Agosto de 1661, Vatel organizou uma festa de grande esplendor para inaugurar o fim dos trabalhos no castelo de Vaux-le-Vicomte e recebeu uma pequena multidão de 600 convidados da corte, a rainha mãe, Ana de Áustria e o soberano. Nos espetáculos utilizou as mais avançadas técnicas da época, com representações de peças de teatro, entre as quais Les Fâcheux (Os Importunos), o primeiro comédia-ballet de Molière, com música de Lully, e fogos de artifício. Para o banquete Vatel criou um creme de nata batida, doce e perfumada com baunilha. Apesar disso, o talento de Vatel passou "despercebido" aos olhos do rei, por outro lado Luís XIV ficou ainda mais invejoso do o príncipe Condé. Ainda assim, Vatel adquiriu renome entre membros da realeza, o que lhe rendeu fama como títulos e alcunhas como extraordinário "Mestre dos Prazeres e das Festividades", "Maitre das Maravilhas", "Mestre dos mestres de Cerimonias" entre outros.


Foi justamente para tentar cair nas graças do Rei-Sol que o príncipe Condé resolveu fazer um convite especial a Luís XIV: três de dias e três noites de delicias e prazeres no castelo de Chantilly. Quando Vatel ficou sabendo dos planos do patrão, Vatel se esmerou. O menu do banquete principal incluía, mas não somente isso, Filé de linguado com anchovas; Melão com presunto de Parma; Lagosta com molho de camarão; Pernil de carneiro; Pato ao molho de vinho madeira e, de sobremesa, Bombas de morango. Sem falar que cada refeição era acompanhada de uma apresentação circo-teatral com show pirotécnico.

Luís, o rei. Decidido a não facilitar resolver levar uma comitiva com mais de 1000 convidados, a nata da nata da realizes e dos nobres para acompanha-lo. Vatel, percebendo que não teria faisão o suficiente resolveu o problema com um "malabarismo de sabores", misturando a carne a outras aves (frango camponês). Teria se lamentado afirmando “minha honra está perdida”, no que foi consolado pelos comentário dos convidados e do seu patrão, o príncipe de Condé: “Vatel, nunca houve um jantar magnífico como o de hoje”.

Apesar das dificuldades e imprevistos, os dois primeiros dias foram uma verdadeira produção hollywoodiana. Para a manhã do ultimo dia, Vatel preparou um cenário que seria um tributo ao deus Poseidon (Neturno), providenciou esculturas de gelo e um cenário que lembrasse o fundo do mar.


Obsessivo e impaciente, François Vatel não dormia tranquilamente por estar cuidando dos preparativos, ao levantar cedo parece receber e conferir os ingredientes como era de seu costume, descobriu que não teria peixe o suficiente, chegara apenas uma carroça com pouco mais que duas cestas de peixes e frutos do mar. Vatel, em choque, agradeceu os pescadores e ordenou aos seu sub-chef que garantisse o pagamentos de todos os empregados e fornecedores na manhã seguinte. Soluçando, recolheu um pouco do que havia nos cestos e foi para a sua cozinha, preparou um delicioso prato de linguado e ostras embebidas em vinho tinto e subiu para o seu quarto com seu prato.

Transtornado, teria exclamado: “Não suportarei mais essa desgraça”. Trancado no quarto, após terminar sua refeição, apanhou um punhal e deferiu golpes contra o coração. Era 23 de abril de 1671, um sábado chuvoso e triste.

Os gemidos agonizantes de Vatel acordaram o castelo. Quarenta e cinco minutos depois, as carroças carregadas de peixe começaram a chegar na propriedade, os peixeiros bateram à porta do castelo com as encomendas. O banquete correu às mil maravilhas e, claro, o suicídio de Vatel foi o assunto principal. Souberam que houve um atraso nos portos e em respeito ao cozinheiro suicida, não serviram o Linguado “atrasado”. O rei francês se rendeu aos dons do cozinheiro e o reconheceu para toda Paris, mas já era tarde demais.

Curiosidades

Existe uma versão não oficial de que Vatel teria se matado ao saber que o seu patrão o havia perdido para o rei Luís XIV em um jogo de cartas, o que teria sido humilhante e vergonhoso para o cozinheiro.

Credita-se a Vatel as seguintes frases:

"Ninguém confia em um cozinheiro magro"
"Não confio em homens que não fazem sua própria comida"
"Não confie no elogio de quem não lambe os próprios dedos"

Dica de Filme

Vatel - Um Banquete para o Rei lançado em 2000 é um ótimo romance dramático com algumas pitadas de humor ao longo de 1h 43min de duração. Dirigido por Roland Joffé com roteiro de Jeanne Labrune e Tom Stoppard a dupla conseguiu deixar o filme no ponto certo para curiosos e desconhecidos de Vatel. Fora o elenco de peso que conta com Gérard Depardieu no papel de François Vatel e refoga o talento com Uma Thurman, Julian Sands, Tim Roth, Julian Glover entre outros. Consegui assistir o filme no original em francês, não foi fácil, mas recomendo pois deixou a experiência de comunicação ainda mais imersiva.

Um comentário:

  1. Um dos melhores filmes que já tive a oportunidade de assistir. História real finamente reproduzida e filmada no cenário em que ocorreu. Encenada por excelentes atores. Uma boa história bem retratada. Uma obra de arte.

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