Para a
imprensa conservadora, ele é o “filósofo mais perigoso do Ocidente”, como lhe
definiu a revista norte-americana New Republic. Para o jornal britânico
Observer, ele é o “messias superstar da nova esquerda”. O próprio Zizek também
não tem lá maiores reservas ao se definir. Entre outros epítetos, o autor
esloveno se propõe como um “comunista atípico”, um “esquerdista radical” e um
“socialista que faz oposição a Marx”. Seja como for, a despeito das ressalvas
de seus críticos e dos exageros de seus entusiastas, Slavoj Zizek é,
desabusadamente, um intelectual público, um pensador radical e prolífico que
não teme seus paradoxos e expia publicamente suas próprias contradições.
Slavoj Zizek formou-se em filosofia em 1971 pela Universidade de Liubliana. |
“Atualmente, com sua obra traduzida para cerca de vinte línguas,
embora suas ideias geralmente sejam complexas, nenhum outro filósofo
contemporâneo se iguala a ele em popularidade”, defende o professor Christopher
Kul-Want, diretor da Bryan Shaw School of Art, de Londres, e autor de
Entendendo Slavoj Zizek: um guia ilustrado. O livro foi publicado recentemente
no Brasil pela editora Leya e é assinado em parceria com o ilustrador Piero.
“Quais são as razões para a popularidade de Zizek? Muitas pessoas anseiam ouvir
um filósofo que se dedica a pensar profundamente sobre problemas globais, como
a pobreza, a ecologia e a repressão política”, completa.
A tarefa do professor não é nada simples. O “fenômeno” Zizek é
formado por uma multiplicidade de contextos e ideias que, no geral, nos conduz
a resultados contraditórios. Como lembra o psicanalista Christian Dunker,
professor livre docente da USP, Zizek move-se tão rapidamente e toma posições
de tal forma contrastantes, que nunca se consegue dirimir exatamente qual é seu
projeto. “(Ele) não é um pensador sistemático que nos convida para a arqueologia
e a reconstrução do movimento de seus conceitos; mas também não corresponde ao
intelectual edificante, ensaístico ou opinativo, interessado apenas em questões
pontuais e intervenções localizadas”, explica.
Para Dunker, o modo mais eficaz de captar a lógica de seus textos
é atentar para a constância de seu estilo, que se desenvolve como intelectual
engajado, um pensador que, sobretudo, toma posições. Kul-Want se vale desse
expediente para apresentar o pensamento do esloveno em seu livro. Ou seja, Entendendo
Zizek é menos uma porta de entrada às ideias do que um mapeamento do estilo e
do engajamento do filósofo.
Zizek é visto por muito como um pensador da cultura pop. |
Nesse mapeamento, Kul-Want destaca algumas características gerais:
a escrita de Zizek nasce de uma abordagem retórica do pensamento (ele escreve
como quem fala); sua participação em polêmicas se dá sem brigas ou disputas
abertas, estratégia desenhada para criar um espaço em que o interlocutor tenha
de se posicionar sobre suas responsabilidades políticas e pessoais; e,
principalmente, sua obra acena para a retomada da ideia de “verdade”.
“Depois de Nietzsche, o que restou foi a noção liberal de que
todos os valores e crenças, bem como suas verdades associadas, são relativos e
parciais. Contudo, Zizek se baseia firmemente na ideia de verdade, apesar de
ela ter se tornado suspeita ou fora de moda”, diz Kul-Want. “Ele não entende a
verdade como uma ideia espiritual ou metafísica relacionada com a existência de
Deus ou um conjunto de princípios universais ou leis que governam o significado
e o pensamento”. Para o filósofo esloveno, a verdade é uma compreensão das
relações de poder que controlam a sociedade e das ideologias que impedem a
sociedade de realizar a liberdade social e política. “Ele é essencialmente um
filósofo político. Sua ambição é intervir no discurso político por acreditar
que isso pode afetar as ideias das pessoas e ajudar a transformar a sociedade”.
Esse compromisso com a política não é apenas uma opção teórica. É,
antes de tudo, para Zizek, uma questão de sobrevivência. Entre os tantos temas
sobre os quais se debruça - da psicanálise ao cinema de Hollywood -, seus
escritos convergem, no limite, para a denúncia de uma catástrofe mundial
iminente e suas causas ideológicas. “Meu esquerdismo radical é mais o resultado
de um insight pessimista. Vejo que estamos chegando perto de uma catástrofe, e
não estou falando daquela profecia maia idiota”, Zizek explicou ao jornal Valor
Econômico no ano passado. “Não se pode ir indefinidamente nesse caminho de
desastres ecológicos, segregação racial, apropriação da criatividade
intelectual e guerra biológica”.
O “perigo” de Zizek, afinal, talvez seja denunciar o quanto somos
“perigosos” a nós mesmos.
Livro:
Entendendo Slavoj Zizek: um guia ilustrado
Autores: Chrstopher Kul-Want e Piero
Editora: Leya, 176 páginas
Preço: R$ 24,90
Slavoj Zizek
Nasceu em Liubliana, na antiga Iugoslávia, atual Eslovênia.
Formou-se em filosofia e sociologia em 1971, pela Universidade de Liubliana.
Atualmente, é professor no Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana
e é diretor internacional da Universidade de Birkbeck, de Londres.
Fonte: O Povo
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